deus da transmigração
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conhecendo a divindade
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O Limiar do Gelo é mais do que um lugar físico em Cahaen; é um conceito ancestral, uma fronteira mística e inevitável onde a vida, o movimento e a resistência começam a se desfazer diante do avanço silencioso e absoluto do frio. Ele marca o ponto onde o calor não mais persiste, onde a vontade humana se curva, e onde as forças gélidas dos Seis Deuses Eternos se fazem presentes em sua forma mais pura, despida de mediação ou misericórdia. Para os clãs nômades e os xamãs que vagam pelas planícies congeladas, o Limiar do Gelo é descrito como uma linha invisível, que não pode ser marcada por mapas ou estacas, mas que se sente na pele e no espírito. É ali onde a respiração começa a falhar, onde o som se torna um sussurro abafado e onde o tempo parece desacelerar até quase se congelar junto ao próprio viajante. Muitos dizem que, ao cruzar essa linha, o mundo como é conhecido deixa de existir, cedendo lugar a um domínio onde o gelo não apenas cobre, mas define a realidade.
Nas lendas, o Limiar do Gelo é guardado ou, talvez, simplesmente vigiado por Frejal, o Deus da Transmigração Gélida. É ele quem conduz aqueles que, conscientes ou não, atravessam esse limiar, encaminhando-os através da inevitável transformação: seja a morte física, seja a fusão com a paisagem congelada, seja a dissolução da identidade sob a vastidão branca e silenciosa. Ao mesmo tempo, o Limiar do Gelo é uma metáfora poderosa entre os povos de Cahaen, simbolizando o momento em que uma pessoa, um clã ou até uma cultura se vê diante da sua fragilidade definitiva. Cruzá-lo não significa apenas enfrentar o frio extremo, mas também confrontar a própria essência, pois ao avançar para além dele, o indivíduo se desfaz: sua história, seus desejos e até seus medos se apagam, substituídos por uma calma absoluta, por uma presença que não deseja mais nada além de repousar sob o manto branco que cobre tudo. Alguns xamãs afirmam que o Limiar do Gelo está sempre se movendo, expandindo-se lentamente com o avanço das geleiras moldadas por Njolfr, ou recuando, ainda que de forma quase imperceptível, quando a fúria de Iskadra esculpe novas rotas e abismos. Assim, o próprio continente é entendido como uma entidade viva, que respira através desse limiar, abrindo e fechando passagens, permitindo a travessia ou selando destinos para sempre, dependendo de quem ousa atravessar.
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limites da criação
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Frejal, outrora apenas conhecido como o Deus da Transmigração Gélida, é na verdade reverenciado e temido em Cahaen como o Guardião dos Condenados, aquele que vela silenciosamente sobre os espíritos e corpos que cruzaram o Limiar do Gelo sem retorno, aqueles que a própria terra gelada recusou aquecer ou redimir. Entre os Seis Gelos Eternos, Frejal ocupa uma posição solitária e sombria: não é o executor das sentenças, como Iskadra com suas tempestades, nem o artífice das prisões eternas como Koldrun com suas Runas Divinas. Frejal é aquele que vigia, acolhe e sela. Sua função não é destruir, mas garantir que os condenados não escapem, que permaneçam fixos no ciclo eterno do gelo, imóveis como as estátuas cristalizadas que se acumulam nas fendas mais profundas de Cahaen.
Os condenados que Frejal guarda não são apenas aqueles que sucumbiram ao frio por fraqueza ou acaso, mas também os que, por seus crimes, traições ou blasfêmias contra os pactos sagrados do continente, foram julgados indignos de retorno, obrigados a atravessar o Limiar do Gelo, onde Frejal os espera. Ele não os arrasta, nem os persegue; apenas está lá, parado, imóvel, no centro de uma planície branca e infinita, com olhos vazios como duas luas congeladas, aguardando que os condenados façam a travessia final. Na tradição das tribos do Norte, Frejal é descrito como aquele que não fala, não julga, não condena: ele apenas vela. Sua presença é inevitável e absoluta, e seu olhar é o selo que encerra a jornada de quem caiu em desgraça. Muitos dizem que, quando se está perdido nas estepes geladas e a visão começa a falhar, vê-se ao longe uma figura envolta em névoa azulada, imóvel e silenciosa, com o braço estendido em direção ao vazio. Esse é Frejal, apontando o caminho sem volta para os condenados. Mas há quem acredite que Frejal é também um guardião misericordioso, pois ao manter os condenados sob sua vigília, impede que suas almas, consumidas pelo arrependimento ou pela fúria, retornem ao mundo dos vivos como espectros ou maldições. Ele mantém as almas encerradas no Cristal Silencioso, uma prisão natural que se forma ao redor daqueles que cruzam o Limiar do Gelo, envolvendo-os em camadas de gelo puro, preservando suas formas e memórias como estátuas eternas sob sua guarda.
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Passos finais
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A Maldição do Gelo é a sentença final que paira sobre todos aqueles que desafiam as leis antigas de Cahaen, um destino inescapável selado pelas mãos invisíveis de Frejal, o Guardião dos Condenados. Não é uma maldição comum, lançada com palavras ou gestos, mas uma força silenciosa e inevitável, que se instala no corpo e na alma como o frio que primeiro entorpece, depois endurece e, por fim, cristaliza tudo o que toca. Essa maldição não é um castigo imposto com raiva, mas o mecanismo perfeito de Cahaen para manter o equilíbrio e o silêncio: aqueles que traem juramentos sagrados, quebram pactos ancestrais ou violam os limites protegidos pelos Seis Gelos Eternos são lentamente banidos do ciclo dos vivos, arrastados não por correntes ou espadas, mas pelo avanço inexorável do frio que toma seu corpo e sua essência tentam se mesclar, diretamente.
Os primeiros sintomas da Maldição do Gelo são sempre sutis: a pele que não aquece mais ao toque do fogo, a respiração que levanta névoa mesmo em noites mornas, a sensação de que a própria sombra se alonga sobre o gelo, convidando à rendição. Em estágios mais avançados, os olhos perdem o brilho, refletindo apenas o branco da paisagem que se aproxima, enquanto o coração passa a bater em um ritmo cada vez mais lento, até cessar, não com violência, mas com serenidade absoluta, como um floco de neve que toca o chão e desaparece. Aqueles que são tomados pela Maldição do Gelo tornam-se parte do que os anciãos chamam de Observadores: figuras eternamente preservadas nas câmaras ocultas das geleiras, em posturas que denotam a rendição final ao destino. Não há sofrimento nesses corpos, apenas a frieza serena de quem foi conduzido por Frejal até seu repouso final, guardado para sempre sob a sua vigília silenciosa. Entre os xamãs, a Maldição do Gelo é considerada também um ato de misericórdia, pois impede que os condenados vagueiem como espectros corrompidos pelo arrependimento ou pela fúria. Ao congelá-los, Frejal os purifica, selando suas almas no cristal puro do gelo eterno, preservando-as para que jamais se deformem ou retornem de maneira profana ao mundo dos vivos. Porém, há quem tema que, um dia, se a vigilância de Frejal falhar ou se o equilíbrio dos Seis Gelos for rompido, os selos que prendem os Imóveis poderão se partir, e as almas dos antigos condenados, até então silenciosas.