A Dobra, a fenda dimensional que rasgava a realidade e ameaçava o mundo ao conectá-lo ao insondável Profundo, finalmente desapareceu. O Mythralis, a luz imutável forjada a partir das Joias da Criação, foi a chave para selar a fissura e dissipar as forças caóticas que dela emergiam. Mas a vitória foi uma ilusão passageira. O que parecia ser o fim do desequilíbrio cósmico era, na verdade, o prelúdio de uma calamidade ainda maior. Nas profundezas do que restou da Dobra, onde a própria existência se dissolve no nada, Azar Yggdramillenium, um ser há muito esquecido, consumiu a Escuridão Absoluta. A ameaça que deveria ser erradicada tornou-se o combustível de sua ascensão buscando, de maneira geral, consumir tudo o que estava ao seu caminho.
Ao absorver o poder primordial do Profundo, ele renasceu, transfigurado pela essência dos Terrores Cósmicos. E seu despertar foi sentido de imediato, quando surgiu no funeral de Diela, a guerreira cujo destino fora selado pela corrupção dessa mesma força. A chegada de Azar a Hajfkar foi um prenúncio de desgraça. Sua silhueta era um vazio onde nenhuma luz penetrava, e seu olhar refletia o abismo infinito do qual emergira. Com esse chamado, três entidades responderam. Das sombras e do vazio além da razão, os Três Sacerdotes dos Terrores Cósmicos se manifestaram. Cada um deles, um arauto da ruína, portava consigo a promessa do fim. Suas palavras proibidas foram entoadas, seus ritos há muito selados foram retomados—e o colapso começou.
CAPÍTULO I: cidadela do deserto
Quando Azar, consumido por sua ambição desmedida, conseguiu abrir o Altar Perene de maneira brutal, ele desencadeou um evento que alteraria para sempre o destino de Hajfkar e, possivelmente, de todo o mundo. O Altar, um artefato primordial selado por forças ancestrais e arcanas, guardava a chave para uma fenda cósmica que se conectava diretamente ao coração da Escuridão Absoluta. Sua abertura não foi um simples ato de força, mas um ritual de desespero e loucura, no qual Azar, ignorando os avisos das eras passadas, rasgou o véu que separava a realidade conhecida do caos primordial. No instante em que o selo foi rompido, uma onda avassaladora de energia negra varreu a região.
Era como se a própria realidade estivesse sendo despedaçada, um corte profundo no tecido do universo que liberava uma força incompreensível. As areias do deserto de Hajfkar se ergueram em um turbilhão caótico, como se fugissem da presença daquilo que havia sido despertado. Os céus se tornaram turbulentos e carregados, tingindo-se de um negrume absoluto, como se a própria luz estivesse sendo devorada por algo maior do que a compreensão mortal. O Altar Perene, que por eras permaneceu um guardião silencioso contra os terrores do Profundo, agora se tornara uma fonte de corrupção incessante. A escuridão que dele fluía não era apenas ausência de luz, mas sim uma força viva e malevolente, um veneno cósmico que se infiltrava na terra, no ar e até mesmo nas mentes dos seres vivos. Aqueles que estavam próximos sentiram o impacto imediato: uma sensação de vazio crescente, como se algo estivesse sendo arrancado de dentro de suas almas. O tempo parecia estagnar, tornando cada segundo uma eternidade de inquietação.
Por toda Hajfkar, os efeitos da abertura do Altar começaram a se manifestar. Sombras começaram a se mover por conta própria, se arrastando como entidades conscientes pelos becos e ruas da cidade. Estranhos sussurros ecoavam pelo vento, palavras que ninguém conseguia entender, mas que instilavam um medo profundo nos que as ouviam. Criaturas grotescas, nascidas diretamente da essência da Escuridão Absoluta, emergiram do altar, manifestando-se como aberrações de puro terror. Seus corpos eram formados por trevas vivas, seus olhos, buracos insondáveis de vazio absoluto. As mentes dos habitantes de Hajfkar começaram a se deteriorar sob a influência da corrupção. Sonhos tornaram-se pesadelos incessantes, e aqueles que dormiam acordavam com a sensação de que algo os havia tocado na escuridão. A paranoia se espalhou rapidamente, pois ninguém sabia ao certo o que era real e o que era ilusão. Para os mais fracos de espírito, a sanidade tornou-se um conceito distante, e muitos se entregaram ao próprio desespero.
O impacto da abertura do Altar Perene não se restringiu apenas a Hajfkar. A influência da Escuridão Absoluta começou a se expandir, seus efeitos sendo sentidos além das areias do deserto. Por todo o mundo, aqueles com sensibilidade arcana sentiram um tremor na magia, como se algo fundamental houvesse se quebrado. Profetas e videntes tiveram visões de um futuro envolto em trevas, onde a luz já não mais reinava.
CAPÍTULO II: poder do djinn
A missão da Lâmpada de Nebu-Kahet não era um feito qualquer entre os registros do Império de Hajfkar — ela fora encomendada, orientada e abençoada pelo próprio Imperador do Deserto, o Deus-Rei que reinava sobre as areias com autoridade absoluta. Não se tratava de uma simples incursão a uma ruína ancestral ou de uma busca por conhecimento arcano; tratava-se de uma jornada sagrada, designada por vontade imperial e selada com o brasão dourado de Hajfkar.
Enquanto as caravanas deixavam os portões sagrados de Zharim al-Qadim, o céu sobre Hajfkar parecia mais pesado, como se as próprias estrelas hesitassem em testemunhar o que estava por vir. Os aventureiros — marcados pela areia, pelo sangue e pela glória amarga da vitória recente — protegiam a Lâmpada de Nebu-Kahet, envolta em tecidos encantados e runas de selamento. Seu destino era claro: levá-la à Alta Hajfkar, onde os Arcanistas do Círculo Interno poderiam compreender e proteger sua essência ancestral. No entanto, a relíquia parecia carregar consigo um fardo invisível, uma presença que pesava sobre os ombros de todos. Durante a travessia do Desfiladeiro de Mharaket, quando as dunas começavam a se abrir para as estepes douradas da capital, o vento parou de soprar.
E então veio o rugido.
Não era som de fera, nem de tempestade, mas algo primitivo e impossível — como se o próprio mundo estivesse sendo rasgado. As areias se ergueram numa espiral negra e, de dentro delas, Anúbis surgiu novamente, envolto por correntes de sombra e luz morta. Seu olhar estava vazio, mas ao mesmo tempo repleto de intenção. Não era ele quem comandava seus próprios passos. A luta foi brutal. Nenhuma das bênçãos que haviam repelido as forças do deserto antes pareciam surtir efeito agora. Cada golpe contra o corpo do deus era absorvido como se lutassem contra um eco esquecido. Anúbis não buscava a Lâmpada por vontade própria. Havia algo — alguém — manipulando seus movimentos, como um mestre oculto por trás das cortinas do destino. A escuridão que vazava de seus olhos não era sua, mas sim de Malzakhar, o exilado da Criação, aquele que agora detinha Duat.
Os jovens guerreiros, mesmo com todo seu preparo e coragem, estavam diante de um servo divino corrompido por um poder muito além do que podiam conter. A Lâmpada, tremendo em sua prisão de seda encantada, parecia reagir, como se sentisse a presença de seu novo pretendente. E cada passo de Anúbis deixava um rastro de sombra que apagava a própria realidade por onde passava. Naquele momento, compreendeu-se: Malzakhar não havia apenas caído — ele havia se erguido. E o ataque não era apenas uma tentativa de retomar a Lâmpada, mas um aviso: o Altar Perene estava próximo de ser completado, e o mundo, de ser moldado à vontade daquele que venceu a morte.