​deusa da fome
LYSANDRA

Lysandra Valthéria Noctheril von Edevra d’Ashkariel é o sussurro que precede o fim, a irmã silente de Vladimir, a Condessa da Boca Selada, senhora do véu entre o desejo e o juízo. Poucos ousam pronunciar seu nome inteiro, e os que o fazem jamais o esquecem — pois há um peso oculto em cada sílaba, como se cada parte de seu nome fosse uma sentença adormecida. Enquanto Vladimir governa com a precisão da memória e da dor, Lysandra domina as profundezas do esquecimento e do anseio. Ela não é menos temida, apenas menos conhecida. Nascida da mesma linhagem ritualística que gerou o Imperador Carmesim, nascida do sangue de seu próprio irmão.
Mas enquanto Vladimir foi moldado para governar, Lysandra foi preparada para resistir à eternidade. Desde a infância, demonstrava um controle incomum sobre os instintos — não apenas os próprios, mas os dos outros. Com um toque, acalmava criaturas enlouquecidas. Com um olhar, selava juras de sangue. Ela não precisava ordenar: sua presença dobrava vontades. Aos treze anos, selou voluntariamente sua voz em um ritual perdido, gravando uma runa de ouro escarlate sobre sua garganta. Desde então, Lysandra não fala com palavras, mas com gestos, olhares e sussurros mentais que invadem os pensamentos como promessas de conforto ou condenação de tudo e todos.

​conhecendo a divindade
CONTRATOS DE SANGUE
Lysandra Valthéria Noctheril von Edevra d’Ashkariel é conhecida em sussurros e juramentos selados como a Mãe dos Contratos de Sangue, a entidade viva que consagrou a prática mais temida e respeitada de toda Verminia: os pactos eternos esculpidos na carne e vinculados à essência. Se Vladimir é o Pai das Maldições — aquele que grava a dor na história —, Lysandra é aquela que costura as vontades com sangue, unindo almas por promessas que nem a morte ousa desfazer. Foi ela quem selou o primeiro contrato vital entre dois seres que se odiavam, não com palavras, mas com cortes simétricos nas palmas das mãos e uma troca silenciosa de essência. Naquela noite, os dois morreram juntos — não por vingança, mas porque prometeram que jamais viveriam separados. Dali em diante, Lysandra compreendeu: um pacto feito com o sangue não precisa ser escrito — ele vive.
Ela não dita as cláusulas, apenas testemunha. Quando está presente em um rito de sangue, não há necessidade de testemunhas mortais, pois sua memória é o próprio contrato. Cada fio de sua alma contém o peso dos votos que aceitou, e seu corpo não envelhece porque carrega milhares de juramentos alheios em suspensão eterna. Sua existência é um arquivo vivo daquilo que não pode ser esquecido, mas que também não deve ser revelado. O salão onde Lysandra recebe os pactuantes é chamado de Câmara do Silêncio Pactuado, uma abóbada esculpida em pedra viva, onde o som é banido por encantamentos e o tempo desacelera. Lá, dois ou mais seres ajoelham-se diante dela, cortam-se com lâminas prateadas fornecidas por suas servas e oferecem suas intenções em sangue. Lysandra nada diz. Ela apenas toca as feridas com os dedos nus — e ao fazê-lo, grava o contrato nas veias, nos ossos e na alma dos envolvidos. Ninguém engana Lysandra. Seu poder não está no julgamento, mas na leitura da vontade. Ela sabe quando um pacto é dito por medo, por desejo, por ambição ou por arrependimento. E ela só aceita o que estiver banhado em verdade crua. Aqueles que mentem diante dela não morrem — mas são amaldiçoados a jamais fechar os olhos, pois os contratos rejeitados pela Mãe do Sangue os perseguem em sonhos, fragmentados, gritantes, eternamente inacabados a eternidade sem fim.

​​limites da criação
SENHORA DA FOME
Sua fome não é física. É uma ausência viva, uma presença que se agarra às almas como uma ausência de completude. Estar diante de Lysandra é sentir que algo falta — uma lembrança que escapa, um propósito que se dissolve, uma promessa que jamais será cumprida. Os que a encaram por tempo demais sentem a garganta secar, o coração acelerar, o estômago revirar, como se o corpo, em resposta à sua presença, recordasse o que é ser incompleto diante do abismo do eterno. A fome de Lysandra não é saciada com sangue. Ela se alimenta daquilo que foi quebrado. Daquilo que se negou a durar. Toda promessa violada, todo juramento desfeito, todo pacto que se rompe ecoa até ela — como um cheiro no ar, um gosto distante na eternidade. E quando chega a hora, Lysandra vem buscá-lo. Não se move com pressa. Não fala. Ela apenas aparece. E quando seus olhos se voltam para o traidor, o mundo ao redor parece parar de respirar.
É dito que os verdadeiros quebradores de contratos não morrem: eles são devorados por ela, lentamente, em partes. Suas palavras são as primeiras a sumir — esquecem como falar. Depois os nomes — ninguém os reconhece. Por fim, até seus reflexos desaparecem. O vazio que ela consome não é da carne. É da história. Aqueles que desejam fazer pactos que desafiam o tempo e a morte, muitas vezes a procuram por fome também — mas uma fome diferente: fome de sentido, de imortalidade, de selamento perfeito. E ela os atende. Com uma mão banhada em silêncio, ela fecha os acordos. Mas guarda, sempre, uma parte do desejo deles dentro de si. Pois nada que se promete diante da Senhora da Fome volta a ser leve. Ela caminha nos corredores onde juramentos foram desfeitos. Ela aparece nos sonhos dos falsos amantes. Ela toca os lábios dos que negam o que prometeram. E em seus olhos habita a verdade mais aterradora: todo desejo sem consequência está condenado a se transformar em fome.
Lysandra é a guardiã do vazio. A fome entre dois nomes. O apetite da eternidade pela memória que falhou. E quando o mundo esquece… ela lembra. E consome o que está diante de seu próprio poder.

​Passos finais
CORAÇAO INJUSTO
O Coração Injusto — assim passaram a chamar aquilo que pulsa no peito da Condessa Lysandra Valthéria Noctheril von Edevra d’Ashkariel, não por fraqueza, mas por desvio da eternidade. Ela, a Senhora do Silêncio, a Mãe dos Contratos de Sangue, a devoradora dos pactos quebrados, uma vez conheceu algo que sequer deveria tocar: amor. E não por outro imortal, mas por um homem comum — mortal, efêmero, incapaz de compreender o peso que Lysandra carregava — e ainda assim, amado. Seu nome foi apagado, não pelo tempo, mas pelas mãos de Vladimir. Ele era um historiador errante, vindo de fora dos véus de Verminia, alguém que via beleza na decadência, alguém que ouviu falar da Condessa sem rosto e ousou procurá-la, não para selar pactos, mas para ouvi-la. E de alguma forma, ela o deixou entrar. Primeiro em sua presença, depois em seu silêncio, depois em si.
Lysandra sentiu algo que não estava nos livros, que não vibrava nas placas douradas nem nos contratos cravados na carne: ela sentiu leveza. Pela primeira vez, sua eternidade não pesava. Pela primeira vez, o silêncio não era um dever, mas um abrigo compartilhado. E por um instante, o abismo que ela era aprendeu a querer ser ponte.
Mas Vladimir viu. Ele não sentiu raiva, nem ciúmes. Sentiu perigo. Percebeu que sua irmã, guardiã da fome e dos pactos, estava se desviando do propósito que sustentava sua essência. E Vladimir sabia: para seres como eles, amar era desfigurar o eterno. O amor cria dúvidas, cria brechas. E uma brecha, em um nome como o de Lysandra, poderia romper o selo que sustentava séculos de ordem. ​Na noite mais calma do calendário ritual, durante uma cerimônia em que todos os véus estavam erguidos e nenhuma magia poderia ser usada, Vladimir apareceu no Solar de Ashkariel. Ele não bateu. Não chamou. Apenas entrou — e encontrou o mortal, de joelhos, oferecendo a Lysandra uma fita de seda com seu nome bordado em sangue. Era a tentativa dele de selar algo que o mundo não permitiria. E ali, diante do reflexo de um momento impossível, Vladimir o matou. Sem raiva. Sem grito. Apenas um toque sobre o nome bordado — e o nome queimou. O corpo tombou. E Lysandra, por um instante, gritou. Mas não com a boca. Foi um grito que calou todas as chamas de Verminia naquela noite. O mundo sentiu. E o mundo se curvou.