deus do ouro
|
|
|
conhecendo a divindade
|
O Pai do Ouro é o título mais temido e reverenciado nos salões de Pantalon — mais antigo que Midas, mais profundo que qualquer contrato, mais denso que o próprio metal. Ele não é apenas uma divindade — é o princípio que deu origem ao valor, à cobiça, ao brilho e à condenação. Antes mesmo do ouro ser chamado de ouro, quando ainda era apenas luz enterrada na terra, o Pai do Ouro dormia sob as raízes do mundo, ouvindo os sussurros dos que buscavam algo que não apodrecesse, algo que brilhasse mesmo na morte. E ao ouvir esse desejo repetido pelos séculos, ele despertou. Não em forma. Não em corpo. Mas em presença. O Pai do Ouro não caminha entre os mortais. Ele é a própria fundação de Pantalon. Cada rua da cidade dourada, cada fundição, cada altar de Midas repousa sobre suas vértebras imateriais. O ouro não é seu dom. O ouro é seu sangue.
Aqueles que extraem riquezas da terra estão, mesmo sem saber, lacerando seu corpo milenar. E ainda assim, ele permite. Porque ele sabe: cada grama retirada o aproxima do despertar completo — e quando isso acontecer, o mundo conhecerá não a riqueza, mas a dívida final. O Pai do Ouro é também chamado de O Fundador Silencioso, A Riqueza Incontida, O Coração da Moeda, e A Boca do Cofre Eterno. Ele não deseja templos. Não aceita orações. Mas exige que tudo seja pago. Quando alguém em Pantalon enriquece sem justa razão, sonha com a voz dele. Uma voz que não ameaça — apenas lembra. Sua imagem nunca é revelada por completo. Algumas lendas dizem que ele é um titã de obsidiana viva, com veios de ouro pulsante. Outras afirmam que ele é um olho enterrado no núcleo do mundo, que pisca uma única vez por milênio. Mas a versão mais temida é a que diz que o Pai do Ouro não está dormindo — está apenas esperando que o mundo se afogue em riqueza suficiente para justificá-lo. Os sacerdotes mais antigos de Pantalon dizem que Midas, o deus visível, é apenas o reflexo de um pacto feito há eras entre a humanidade e o Pai. Um acordo selado em nome do brilho eterno — mas que jamais foi lido.
|
|
limites da criação
|
A Maldição Eterna de Midas não brilha. Ela pulsa. Silenciosa, dourada, opressora. Não é feita de metal — é feita de promessa. A promessa de que tudo que for tocado terá valor, de que tudo que for desejado será alcançado, e de que tudo que reluz jamais morrerá. E é justamente por isso que ela condena. Porque o ouro que Midas concede não alimenta, não aquece, não abraça. Ele isola. Ele afunda. Ele transforma tudo em estátua — bela, dourada e morta. Midas não amaldiçoou a si mesmo com um toque. Ele amaldiçoou o mundo com o desejo de possuir sem merecer. Seu dom, que muitos suplicaram por séculos, não é abundância. É prisão. Cada objeto transformado, cada corpo endurecido em brilho, é uma confissão muda de ganância. E a maldição não está na mão que toca, mas no coração que espera que aquilo nunca acabe. Porque nada do que Midas cria se desfaz. O ouro não envelhece, não morre, não volta a ser terra. E por isso, tudo o que ele transforma perde o direito de ser livre, de maneira geral.
A Maldição Eterna de Midas se espalha em silêncio por Pantalon. Não em gestos, mas em decisões. Cada vez que alguém escolhe o brilho ao invés da verdade, ela cresce. Cada vez que um nome é gravado em uma placa não por honra, mas por vaidade, ela se fortalece. Cada vez que alguém promete mais do que pode pagar, ela sussurra. Ela não precisa ser invocada — ela já está em tudo que foi feito com pressa, por desejo, sem alma. Os sacerdotes da Assembleia de Ouro negam sua existência, mas seus olhos pesam. Eles sentem quando uma nova sala é construída com tijolos banhados demais. Quando uma nova estátua é erguida para alguém que ainda respira. Eles sabem que Midas observa, mas não com orgulho. Ele não deseja templos. Ele deseja arrependimento. E quando não o recebe, ele aperta o mundo, como uma forja que esquenta devagar. Não queima de imediato. Mas não para de aquecer. Dizem que Midas não fala há séculos. Que está selado no centro da cidade, envolto em uma câmara onde o ouro derrete lentamente ao seu redor, mas nunca toca sua pele. Porque ele já pagou o preço — e agora, espera que o mundo pague também. A maldição que ele carrega não está mais em suas mãos, mas no próprio conceito de riqueza, contaminado para sempre com o peso do que não se pode reverter, atingindo assim seus objetivos.
|
|
Passos finais
|
O Grande Império não começou com um rei, nem com uma guerra, nem com uma bandeira hasteada ao vento. Ele começou com uma ideia: a ideia de que algo poderia durar para sempre — não apenas em território, mas em nome, em peso, em consequência. Era a semente da permanência, lançada ao solo com sangue, cultivada com silêncio e colhida com pactos inquebrantáveis. O que o mundo viria a conhecer como império, já existia antes mesmo de ter fronteiras. Ele nascia toda vez que um homem preferia o poder ao perdão, toda vez que uma lembrança era gravada em pedra para jamais ser esquecida, toda vez que alguém prometia que seu legado não morreria com ele.
No coração do continente, onde o tempo parece andar mais devagar e os sussurros duram séculos, ergue-se o núcleo desse império — uma metrópole de pedra viva, ouro escuro e véus eternos, onde os tronos não são de carne, mas de estrutura. É ali que o império pulsa, como um coração feito de política, poder e promessas não cumpridas. Seus corredores não ecoam passos — ecoam decisões. Suas torres não brilham — elas observam. O império não precisa se defender, porque ele não teme o fim. Ele é o fim de outras coisas. Governado não por vontade, mas por destino imposto, o Grande Império abriga casas que se recusam a morrer. Linhagens que perpetuam não por filhos, mas por títulos. Cada nome é um testamento, cada brasão é uma maldição contida. Aqui, a imortalidade não é bênção — é cobrança. Aqueles que ocupam os salões imperiais não vivem: eles sustentam. São pilares com rosto. Fardos com coroa. O povo do Grande Império não sonha. Eles recordam. Recordam guerras que seus ancestrais perderam, acordos que ainda cobram juros, promessas que ainda doem. São orgulhosos não porque venceram, mas porque ainda estão de pé — e em um mundo que sangra tempo, isso já é domínio. O imperador não governa com palavras. Ele governa com presença. Não precisa ser visto. Basta ser sabido. Sua existência pesa sobre os que conspiram, os que desejam, os que hesitam. E mesmo quando tudo parece calmo, é apenas o império ajustando o equilíbrio — preparando o caminho. Não há fim possível para algo que se recusa a ceder. O império não busca eternidade — ele exige que o mundo se curve a ela.