deus Do gelo
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conhecendo a divindade
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Na tradição mais antiga dos povos do norte de Cahaen, conta-se que, no princípio, a terra e o gelo eram um só corpo, indivisíveis, inquebrantáveis, sustentados pela presença absoluta de Njolfr, o Pai do Gelo Imóvel. O continente inteiro repousava sobre o seu dorso, e dele emanavam as geleiras, as montanhas e os vales de neblina. Não existiam rios livres, nem florestas, nem planícies verdes — apenas o domínio frio e pétreo do deus silencioso. Mas então veio o Rompimento. Ninguém sabe ao certo o que o causou. Alguns dizem que foram os primeiros homens, que com suas lâminas e forjas profanaram as entranhas das montanhas de Njolfr, abrindo túneis para extrair metais sagrados que sustentavam a integridade do gelo eterno. Outros afirmam que foi o sussurro traiçoeiro de Iskadra, a Tempestade Cortante, que soprou sobre as geleiras de Njolfr, criando rachaduras invisíveis até que o gelo rugiu e partiu-se criando Cahaen.
O que se sabe é que, num dia sem aurora, uma fenda colossal abriu-se no coração de Cahaen: uma cicatriz rasgando as montanhas e liberando forças até então seladas sob a prisão do gelo eterno. O Rompimento quebrou o domínio absoluto de Njolfr sobre a terra, permitindo que rios começassem a correr, que florestas de coníferas surgissem nas regiões inferiores, e que as estações — até então apenas um longo e ininterrupto inverno — se manifestassem de maneira desigual pelo continente. Para os anciãos, esse evento não foi apenas geológico, mas cosmológico: o primeiro abalo da supremacia do Pai do Gelo Imóvel, um enfraquecimento da pureza congelada que sustentava o mundo em seu estado original. A Fenda do Gelo Eterno passou a ser um local proibido, onde dizem que se ouve ainda o rangido das placas glaciares, como o suspiro contido de Njolfr, irritado, mas resignado, com o fato de que, pela primeira vez, a terra moveu-se sob seu peso. Desde então, o culto a Njolfr mudou: se antes ele era venerado como o deus intransponível, após o Rompimento ele passou a ser também o deus que pode ser ferido. Não derrotado, jamais; mas ferido. A Fenda tornou-se um símbolo dúbio — de temor, por ter quebrado o equilíbrio glacial, mas também de esperança.
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limites da criação
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O Gelo Absoluto é mais do que uma substância ou um fenômeno natural em Cahaen: ele é o legado supremo e intransigente de Njolfr, o Pai do Gelo Imóvel. Considerado pelos povos antigos como a forma mais pura e perfeita do frio, o Gelo Absoluto não apenas congela, mas nega o movimento, o calor, a mudança. Ele representa a essência primordial de Njolfr — a imobilidade eterna, a suspensão do tempo, o encerramento de todas as possibilidades em um estado de cristalização total. Dizem que o Gelo Absoluto não pode ser derretido por fogo algum, nem mesmo pelo sangue de dragões ou pelas chamas de Koldrun, o Forjador das Estrelas de Gelo. Sua presença congela o ar ao redor, silencia os sons, e até mesmo a luz que o toca parece se tornar opaca, fraca, como se a própria esperança de movimento fosse drenada. Apenas o silêncio e a estagnação prosperam onde ele reina.
A lenda conta que o coração de Njolfr é feito deste gelo, escondido nas profundezas mais inacessíveis da Fenda do Gelo Eterno, onde nenhuma lâmina, prece ou magia pode alcançar. Quem ousar aproximar-se demais corre o risco de ser consumido pela estagnação absoluta: primeiro os pés congelam-se ao chão, depois os pulmões negam-se a respirar, até que finalmente o espírito do invasor se une à imobilidade perpétua, transformando-se numa estátua de gelo eterno. Para os xamãs e sacerdotes de Njolfr, o Gelo Absoluto é a substância mais sagrada e mais temida. Fragmentos minúsculos dele, extraídos com rituais ancestrais e riscos mortais, são usados para forjar as Lâminas Imóveis, armas que jamais perdem o fio e que congelam até a alma do oponente ao menor corte. O Gelo Absoluto também possui um significado espiritual: ele simboliza o fim de todos os ciclos, o repouso definitivo, a rejeição da efemeridade. Em certos cultos, morrer sob o abraço do Gelo Absoluto é visto como uma honra, uma ascensão ao estado perfeito de congelamento eterno, onde não há mais dor, desejo ou falha — apenas existência pura e imutável, tal como Njolfr.
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Passos finais
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Na tradição das sagas de Cahaen, fala-se do dia que ainda está por vir: o Retorno a Northgard, quando os povos do sul e do centro, após séculos afastados, serão forçados a retornar às terras ancestrais do extremo norte — o mítico e temido Northgard, o Reino do Gelo Absoluto, berço das mais antigas linhagens, das primeiras batalhas e da origem da resistência humana frente ao inverno eterno. Northgard é uma terra que nunca se dobrou ao avanço das estações. Enquanto o restante de Cahaen conheceu o breve alívio da primavera e a ilusão do degelo, Northgard permaneceu selada sob a presença invisível de Njolfr. Lá, o Gelo Absoluto nunca recuou, guardando sob suas camadas não apenas as relíquias do passado, mas também monstros congelados, exércitos adormecidos e os vestígios das cidades-fortaleza que os primeiros clãs ergueram com sangue e pedra.
O Retorno é mais do que uma marcha ou uma migração: é um chamado espiritual e inevitável, uma reivindicação do destino. Há quem diga que o próprio Njolfr começará a estremecer, enviando fendas e terremotos de gelo até os limites das fronteiras humanas, obrigando os descendentes dos antigos clãs a refazerem o caminho de seus ancestrais, subindo novamente pelas rotas geladas que levam às muralhas quebradas de Northgard. Os oráculos de Cahaen interpretam este evento como o último teste: aqueles que resistirem ao Gelo Absoluto e cravarem novamente seus estandartes nas ruínas congeladas terão o direito de reformar o pacto original com Njolfr — não de derrotá-lo, jamais, mas de coexistir com ele, selando com honra a relação entre os mortais e a força intransigente do gelo eterno. Outros, porém, temem que o Retorno a Northgard seja apenas o prelúdio de uma nova imobilidade, de um segundo Rompimento, ainda mais catastrófico, que engolirá não apenas as terras do norte, mas todo Cahaen, em um ciclo final de congelamento absoluto. Muitos clãs já preparam expedições: forjam lâminas negras, treinam guerreiros para resistirem semanas sem fogo, recuperam cânticos antigos que protegem contra o frio que queima. As lendas falam de passagens secretas sob as geleiras, de pontes naturais de cristal, de fortalezas abandonadas que ainda guardam os brasões dos reis-guerreiros.