deusa do sussurro
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conhecendo a divindade
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O Lar dos Sussurrantes é um lugar onde o silêncio nunca reina completamente — onde as palavras, uma vez proferidas, jamais se apagam, apenas sussurram eternamente. Localizado nos recessos esquecidos de Verminia, muito abaixo da Câmara das Placas Eternas, este não é um templo, nem um palácio, mas uma região semi-viva de pedra e escuridão, moldada não por arquitetura, mas por ecos antigos que se recusam a morrer. Diz-se que o Lar foi criado quando os primeiros pactos verbais do Império foram rompidos. As palavras, rejeitadas pelos pactuantes e não acolhidas pelo ouro encantado, não podiam simplesmente desaparecer. E então, vagaram, presas entre o mundo físico e o espiritual, formando um véu murmurante, uma cicatriz sussurrante na estrutura do mundo. Ali, tudo fala — as paredes, os degraus, as correntes de ar — mas nada fala diretamente com você.
O Lar dos Sussurrantes é povoado não por corpos, mas por presenças vocais — fragmentos de identidade de pactuantes, amantes traidores, traidores apaixonados, e conjuradores malditos cujas palavras foram arrancadas no momento da morte. Lá, suas vozes ecoam repetidamente, presas nos ciclos do que tentaram esconder ou negar. Entrar nesse lugar é arriscar-se a ouvir não apenas o passado dos outros, mas o próprio: há relatos de viajantes que, ao caminharem pelos corredores do Lar, ouviram vozes esquecidas de suas infâncias, ou juras que juravam nunca ter feito — e que, ao ouvirem, passaram a carregar como verdade. Os Sussurrantes não têm forma definida. Às vezes manifestam-se como sombras finas, dobrando a luz; outras vezes como marcas de umidade na pedra, que se movem quando não são olhadas. E em raras ocasiões, como espelhos de névoa, onde o visitante enxerga seu reflexo falando por conta própria — revelando segredos que jamais verbalizou. Lá, no centro do Lar, existe a Cápsula da Voz Primeira: um poço de pedra espiral que emite, dia e noite, uma única frase — sempre diferente, sempre sussurrada. Muitos acreditam que, se decifrada, essa frase seria capaz de quebrar os contratos de sangue mais antigos da história do Império. Por isso, o lugar é guardado por zeladores mudos da linhagem Ereshcalis, que nunca falam, nunca escrevem, e cuja única função é impedir o eco.
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limites da criação
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A Mansão Ereshcalis não foi construída — ela foi selada no mundo. Mais que uma morada, é um monumento ritualístico erguido sobre o limiar entre a lembrança e o esquecimento, um espaço onde o tempo hesita e os pactos falam por si. Localizada no extremo mais alto da crista negra de Verminia, envolta em névoa carmesim que jamais se dissipa, a mansão não é avistada por aqueles que a buscam, mas apenas por aqueles que devem encontrá-la. A casa ancestral da linhagem Ereshcalis é feita de pedra viva e mármore lúgubre, com colunas esculpidas como véus em movimento, como se a mansão estivesse eternamente sufocada pela memória. As janelas são olhos negros, vidros fumê onde as reflexões jamais mostram o presente — apenas fragmentos do passado. Suas portas não se abrem por toque, mas por promessa: apenas quem carrega um pacto selado com silêncio pode atravessar seu limiar sem ser rejeitado pelo poder.
Dentro, os corredores se torcem suavemente, como se a mansão respirasse. Há salões decorados com tapeçarias de sangue bordado e espelhos cobertos por véus brancos — véus que tremulam sozinhos, mesmo quando o ar está parado. No Salão do Juramento Velado, encontra-se o altar central da casa: uma mesa circular de pedra opaca, com doze cadeiras vazias que nunca mudam de posição. Cada uma pertence a uma ancestral da linhagem Ereshcalis que nunca morreu — apenas foi selada em sua própria função. A mansão guarda os Arquivos Sussurrados, escrituras impossíveis de ler com os olhos. Ali, as palavras se manifestam como som, gravadas em pergaminhos negros que sussurram apenas aos que doaram algo de si — uma lembrança, uma jura, ou um nome. Ler um desses pergaminhos é permitir que parte da alma seja inscrita nele. Por isso, poucos ousam. Aqueles que ousam… mudam. No coração da mansão, em uma câmara subterrânea envolta por raízes de carne e ossos entalhados, repousa o Cálice da Fome Justa, um artefato que pertence a Lady Seraphyne — e que apenas ela pode erguer. É com ele que os pactos de maior peso são selados: promessas de silêncio perpétuo, contratos de sangue não redimível, alianças de amor eterno e condenação. Aquele que beber de seu conteúdo jamais poderá mentir sobre o que foi prometido — nem mesmo em pensamento. A Mansão Ereshcalis não serve a propósito doméstico. Ela é um templo, uma prisão e um espelho.
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Passos finais
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Poder ao Sofrimento — assim é chamado o dom mais cruel e belo de Verminia, aquele que não se aprende, não se herda, não se rouba. É um poder que só desperta em quem foi rasgado por dentro, não por lâmina ou feitiço, mas por perdas que o tempo não cura, por amores que foram arrancados vivos, por promessas feitas com o coração exposto e depois quebradas com um beijo ou um silêncio. Diferente da força, da magia ou da eternidade, o poder ao sofrimento não vem como chama nem como clarão. Ele começa como cicatriz. Uma marca que não desaparece, mas se aprofunda a cada lembrança. E quando o portador para de fugir dela — quando para de tentar apagar a dor — o poder desperta. É nesse instante que o sofrimento deixa de ser um fardo e se torna uma arma, uma fonte, um altar.
Em Verminia, os que dominam esse poder são raros e temidos. Eles não brilham. Eles pressionam o mundo ao redor com o peso daquilo que perderam, e os outros sentem — mesmo sem saber o porquê — que estão diante de algo impossível de vencer. Porque não se pode derrotar alguém que aprendeu a transformar a própria dor em combustível. Lady Seraphyne o carrega em silêncio. Vladimir o personifica em cada sentença. E Alaric o oferece, lentamente, àqueles que desejam poder sem compreender o preço. Todos eles entenderam, à sua maneira, que o sofrimento não é um obstáculo — é a porta. E ao atravessá-la, o que resta não é fraqueza, mas um poder que não queima, não reluz... apenas permanece. Esse poder não se invoca com gritos, mas com memórias. Não se conjura com runas, mas com a repetição do que não foi superado. Lysandra, após ter seu amor arrancado por Vladimir, deixou de ser apenas guardiã de pactos. Ela se tornou recipiente do que nunca foi curado. Ela não se vinga — ela retém. Ela não amaldiçoa — ela lembra. E sua lembrança é tão precisa, tão pesada, tão cheia de ausência que, quando toca outra alma, faz com que o outro sinta um vazio que nem sabia que existia. Vladimir, por sua vez, usa o sofrimento como juízo. Cada maldição que ele grava não nasce da raiva, mas da compreensão fria do que foi perdido. Para ele, dor não é emoção — é estrutura. Ele não fala com piedade porque carrega em si o preço de cada decisão eterna, e seu poder é tão infindável porque nunca permitiu a si mesmo esquecer o que teve que fazer. E Alaric, o Conde Drácula, transforma sofrimento em fome, se tornando ainda mais forte que o normal.