deus da fofoca
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conhecendo a divindade
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São um dos aspectos mais fascinantes e perigosos do poder de Skjarn, o Deus da Fofoca Gélida, e fazem parte do tecido invisível que mantém os deuses e os mortais de Cahaen interligados, muitas vezes sem que sequer percebam. Diferente das simples palavras ou rumores humanos, as Fofocas Divinas são correntes de informação vivas, moldadas não apenas pelo conteúdo que carregam, mas pela intenção, pela distorção e pelo eco que geram no mundo ao serem sussurradas. Na tradição dos xamãs do norte, acredita-se que as Fofocas Divinas são uma força que corre incessante através das fissuras do gelo, dos ventos cortantes e dos reflexos cristalinos, espalhando histórias e segredos que os próprios deuses prefeririam manter ocultos. Skjarn não cria essas histórias — ele as encontra, como quem descobre pequenos fragmentos deixados ao acaso, e as sopra com malícia ou compaixão, dependendo de seu humor caprichoso, sabendo que cada sussurro pode alterar o curso de um clã.
Dizem que não há barreira espiritual ou ritual capaz de conter as Fofocas Divinas, pois elas não seguem as leis comuns da fala ou da escrita. Elas não precisam de um interlocutor direto, nem de testemunhas: basta que existam, que sejam sussurradas por Skjarn, e elas se propagam, como fendas no gelo que se alastram silenciosamente até quebrar o que parecia sólido. Algumas delas permanecem adormecidas por séculos, ocultas sob camadas de silêncio e neve, até que um viajante incauto ou um sacerdote curioso as desperte sem perceber, apenas ao tocar ou atravessar certo ponto amaldiçoado pela memória gélida de Skjarn. Entre os deuses, as Fofocas Divinas são tanto temidas quanto desprezadas, mas jamais ignoradas. Koldrun, o Senhor das Runas Gélidas, odeia a fluidez e a maleabilidade dessas fofocas, pois elas desafiam sua busca pela forma fixa e absoluta, e há quem diga que inscreveu Runas Divinas capazes de tentar silenciá-las — mas que Skjarn sempre encontra um modo de contornar as linhas rígidas, rindo enquanto desfaz, com um sopro, aquilo que levou eras para ser esculpido. Iskadra, o Mestre da Tempestade, mantém com Skjarn uma relação dúbia: reconhece nele um irmão menor e travesso, cuja presença é inevitável no sopro do vento que sempre leva histórias consigo. Muitas das tempestades de Iskadra são precedidas por correntes de Fofocas Divinas que anunciam a chegada do caos, espalhando medo e confusão, de forma geral.
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limites da criação
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Em Cahaen, onde os deuses gélidos regem o destino com mão firme e impiedosa, existe um conceito sussurrado apenas pelos xamãs mais antigos e pelos oráculos que ousam contemplar além das montanhas e das geleiras: o que chamam de Além dos Panteões. Esse não é um lugar físico nem um reino acessível por portais ou rituais comuns. Trata-se de uma ideia, uma vertigem, um limiar onde os poderes que moldaram o continente e os próprios deuses são considerados pequenos fragmentos de uma arquitetura maior, anterior e ainda mais incompreensível. O povo de Cahaen, em sua maioria, vive sob a sombra dos Seis Gelos Eternos, reverenciando ou temendo Njolfr, Iskadra, Koldrun, Vertra, Vetra e Skjarn. No entanto, os xamãs das cavernas mais profundas e os estudiosos que arriscam a sanidade ao decifrar as camadas mais antigas das Runas Divinas afirmam que esses deuses não são o limite, mas apenas partes visíveis de um caminho.
Além dos Panteões, falam de forças sem nome e sem rosto, entidades que não se manifestam como o frio ou a tempestade, mas como princípios brutos, puras expressões de existência que nunca precisaram se revelar. Alguns dizem que essas forças foram as responsáveis pela gênese de Sovas, o Pai dos Deuses Supremos, que seria apenas um intermediário, um arquétipo modelado para tornar compreensível, mesmo que de forma mínima, o abismo anterior à criação. Esse horizonte oculto é percebido nas falhas sutis da própria estrutura divina: na rachadura que atravessa o gelo mais antigo, nos fragmentos de runas que não seguem qualquer padrão reconhecido, nos reflexos de cristal que mostram imagens de mundos que jamais existiram ou que talvez ainda estejam por vir. Para alguns estudiosos, estas são provas de que há algo além, uma presença que escapa à linguagem, à forma e à própria ideia de divindade. Para os mortais de Cahaen, especular sobre o que há além dos panteões é um risco não apenas espiritual, mas existencial. Muitos que se dedicam a tais estudos acabam perdendo o rumo da razão, sucumbindo ao silêncio interior que é descrito como o "chamado do além", um vácuo que atrai para longe das certezas, para fora das fronteiras do mundo conhecido, para além do próprio gelo. E, por isso, quando os ventos se calam nas planícies geladas, quando o reflexo no cristal não devolve o rosto esperado, e quando nem mesmo as orações mais antigas encontram resposta, há quem se pergunte, com um temor que congela.
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Passos finais
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Em Cahaen, onde o gelo é mais antigo que as palavras e os deuses moldam o destino com frio e silêncio, existe uma força invisível e inevitável conhecida pelos xamãs como o mover das histórias. Não se trata de um deus ou de uma entidade definida, mas de um fluxo profundo e perpétuo que arrasta as narrativas de povos, clãs, heróis e até mesmo de divindades através do tempo, do espaço e da memória. Movendo Histórias é a corrente que passa sob o gelo, o vento oculto que leva as lendas de uma aldeia esquecida até as muralhas de um reino distante; é o sussurro que transforma um feito pequeno em uma saga imortal; é a erosão que desfaz os relatos falhos e lapida os acontecimentos até que se tornem cristalinos, resistentes, eternos.
Os povos de Cahaen, endurecidos pelo frio, sabem que o tempo não se move como um rio, mas como o deslizar lento de uma geleira, carregando pedras, árvores e cadáveres com a mesma indiferença, sedimentando histórias sob camadas de silêncio e esquecimento. Quando dizem que uma história “se move”, não significa que ela se espalha por vontade humana, mas que foi recolhida pelo gelo, integrada ao fluxo secreto que molda o próprio continente, atravessando épocas e sobrevivendo a povos inteiros. Skjarn, o Deus da Fofoca Gélida, é tido como o mais hábil manipulador dessas correntes, fazendo com que histórias se acelerem ou se desviem, transformando um sussurro em um mito, uma traição em uma saga, um erro em uma maldição eterna. Mas nem ele controla completamente esse fluxo: elas existem antes e além dele, como parte essencial da mecânica viva do gelo. O frio apaga os detalhes, mas o fluxo preserva a essência, carregando-a para outros lugares, outras gerações, onde será recontada sob uma nova forma, uma nova luz, um novo medo ou esperança. Alguns xamãs afirmam que, ao caminhar sobre certos trechos das geleiras, é possível sentir as histórias se movendo sob os pés: um estremecimento tênue, um som abafado, como se vozes congeladas estivessem sendo arrastadas, misturando-se com o gelo, aguardando o momento certo para emergirem novamente.