deus do reflexo
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conhecendo a divindade
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Os Reflexos de Cristais são a manifestação mais pura e hipnótica do poder de Vetra, o Deus dos Reflexos Gélidos, uma das forças mais sutis e perigosas que permeiam as extensões congeladas de Cahaen. São mais do que simples imagens repetidas nas superfícies translúcidas: são fragmentos vivos de realidade, ecos visuais que se multiplicam infinitamente nas estruturas cristalinas do gelo, aprisionando não apenas a luz, mas também a percepção, a memória e, dizem os xamãs, até mesmo o espírito daqueles que os contemplam por tempo demais. Onde o gelo se cristaliza em formas limpas e geométricas, formando estalactites facetadas, paredes lisas como vidro ou obeliscos naturais de pura transparência, ali os Reflexos de Cristais se fazem presentes, multiplicando a paisagem em incontáveis ângulos, distorcendo a noção de espaço e tempo. Esses reflexos não são estáticos: movem-se imperceptivelmente, acompanhando o olhar do observador, dando a impressão de que o gelo está vivo, de que há algo dentro dele, sempre à espreita, sempre prestes a emergir.
Para os sacerdotes de Vetra, os Reflexos de Cristais são oráculos silenciosos, capazes de revelar verdades ocultas, possíveis futuros ou até traços esquecidos da alma. Diante de uma parede de cristal puro, o iniciado aprende a observar não apenas a superfície, mas as camadas de imagens que se sobrepõem, uma após a outra, até o ponto onde já não se sabe mais o que é o reflexo, o que é o observador e o que é a própria essência do gelo. Mas os Reflexos de Cristais são também uma armadilha mortal. Muitos viajantes, atraídos por sua beleza hipnótica, se perdem em labirintos de imagens repetidas, caminhando em direção a reflexos que parecem trilhas ou passagens, apenas para se chocarem contra o gelo ou serem tragados por fendas ocultas entre as formas cristalinas. Outros enlouquecem, incapazes de suportar a multiplicação infinita de sua própria imagem, perdendo a noção de quem são ou para onde estavam indo. Diz-se que nas profundezas da Catedral dos Reflexos, um vasto templo natural escondido sob as geleiras eternas de Cahaen, existem cristais tão puros e perfeitos que seus reflexos se estendem não apenas pelo espaço, mas também pelo tempo, mostrando cenas de acontecimentos passados ou futuros, dependendo da disposição da luz e da vontade silenciosa de Vetra.
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limites da criação
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O termo reverenciado em Cahaen para designar o saber profundo e ancestral que envolve a compreensão não apenas das rotas, territórios e fronteiras físicas do continente, mas também da essência espiritual, mítica e geológica que o sustenta. Não se trata de mapas ou registros frios, mas de um saber que combina a experiência dos clãs nômades, os registros orais dos xamãs antigos, os vestígios deixados pelos deuses gélidos e a leitura silenciosa dos sinais que a própria terra transmite. Em Cahaen, o Conhecimento Continental é considerado um dom raro, reservado àqueles que sabem ler o gelo, interpretar os ventos e decifrar os reflexos das geleiras como textos silenciosos que narram a história do mundo. É um saber que atravessa gerações, transmitido não por livros, mas por rituais, canções e jornadas de iniciação, onde o aprendiz deve experimentar o frio, a fome e o silêncio para, enfim, começar a compreender os ritmos ocultos.
Esse conhecimento é composto pela percepção das correntes migratórias das nevascas, pela identificação dos vales seguros escondidos entre as montanhas e pela compreensão dos locais sagrados e malditos — como as cavernas onde os deuses repousam ou os campos de gelo onde as Runas Divinas de Koldrun permanecem inscritas, silenciosas e fatais. Saber onde pisar, quando se mover, para onde nunca olhar — isso é parte do que se entende como conhecer o continente. Além disso, o Conhecimento Continental envolve a sabedoria das alianças e conflitos entre os povos que habitam Cahaen. Não apenas a geografia física, mas também a política e espiritual, pois há territórios selados não por muralhas, mas por maldições ancestrais; há caminhos traçados não apenas pelo relevo, mas pelas narrativas que os clãs tecem sobre eles. Entre os xamãs e líderes das caravanas, quem detém o Conhecimento Continental é chamado de Portador das Trilhas, aquele que não apenas guia os outros pelas rotas conhecidas, mas que também sabe quando não seguir, quando esperar a tempestade passar, ou quando aceitar a perda inevitável diante de forças maiores, como a chegada de uma Queda do Gelo ou o despertar silencioso de Vertra, o Deus das Ilusões, de maneira geral.
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Passos finais
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A mais temida e inevitável profecia entre os povos de Cahaen, um presságio que não fala de fogo ou de guerra, mas do triunfo absoluto e silencioso do frio, quando as forças dos Seis Gelos Eternos romperão seus pactos de equilíbrio e deixarão de conter suas essências para invadir, dominar e congelar todo o continente, até que não reste movimento, nem voz, nem calor — apenas a vastidão branca e imutável que marcará o fim da história. Segundo as lendas, o Apocalipse de Gelo não será anunciado com grandes batalhas ou com sinais apoteóticos no céu. Ele começará com pequenos indícios, como o avanço lento mas incessante das geleiras de Njolfr, que há milênios repousam adormecidas, mas que, ao se moverem, arrastarão montanhas e cidades sob sua massa inconcebível. A seguir, os ventos de Iskadra, o Mestre da Tempestade, perderão qualquer traço de equilíbrio, transformando-se em correntes perpétuas de destruição, carregando consigo nevascas que nunca cessarão, obliterando todas as trilhas e rotas, tornando o mundo intransitável e cego.
Nesse cenário de estagnação e caos, Koldrun, o Senhor das Runas Gélidas, deixará de conter sua arte, liberando as Runas Divinas para que fixem a própria realidade em um estado de congelamento absoluto, petrificando rios, florestas, animais e homens como parte de um monumento eterno à perfeição fria que sempre buscou. O céu se tornará um espelho quebradiço sob o domínio de Vetra, o Deus dos Reflexos, multiplicando infinitamente a imagem da desolação e da morte branca, enquanto Vertra, o Deus das Ilusões, selará os últimos vestígios de esperança com miragens traiçoeiras, fazendo com que os poucos sobreviventes caminhem em direção ao nada, guiados por imagens de abrigo e calor que não existem. A culminação do Apocalipse de Gelo será a ascensão final do que as tradições chamam de Gelo Absoluto, não mais como uma substância ou fenômeno localizado, mas como a condição total e permanente do mundo. Nesse momento, todo o continente de Cahaen — das montanhas mais altas aos vales mais profundos, das cidades ocultas sob a neve aos templos esquecidos — será encerrado em um bloco imenso e puro, isento de imperfeições, livre de movimento, de som e de vida. Alguns xamãs dizem que este é o destino natural de Cahaen, que o frio sempre foi a força verdadeira, e que tudo o que floresceu — povos, culturas, alianças, guerras — não passou de um intervalo efêmero entre as eras do gelo eterno. Outros acreditam que haverá resistência, que clãs poderão se refugiar sob montanhas ocos ou em fortalezas de cristal, sustentadas pelas últimas runas de contenção, mas mesmo eles reconhecem que não haverá vitória, apenas um adiamento.