deus do sangue
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conhecendo a divindade
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Antes da eternidade se dobrar diante dele, antes mesmo de Verminia ser forjada sobre o leito de sangue ritual, Vladimir já existia como uma anomalia sagrada: um ser que compreendia que esquecer era mais cruel do que matar, e que ferir a essência era mais poderoso do que destruir a carne. Ele não criou as maldições para proteger ou punir, mas para ensinar. Em sua visão, uma cicatriz era uma lição, e uma marca vital — uma página da história que não deveria ser apagada. Ele descobriu que os nomes, quando sussurrados em dor, se fixavam com mais força no ouro encantado do mundo. E assim começou seu legado. A primeira maldição foi escrita com seu próprio sangue, destilado gota por gota por um processo ritual que durou sete dias e sete noites. Com ela, silenciou uma linhagem traidora inteira, cujos descendentes nasceram sem o dom da linguagem — não por punição, mas para que nunca mais tentassem escrever mentiras sobre o passado.
Dizem que antes de Verminia, quando o mundo ainda era cru e as linguagens não passavam de gritos e sombras, Vladimir já sussurrava maldições em um idioma feito de dor e lembrança. Ele não precisou aprender o silêncio — ele o forjou. Seu sangue, ao tocar o ouro, não reflete: ele marca. Cada vez que um nome foi corrompido, ele não apagou. Ele selou. Cada vez que alguém tentou mentir à história, ele não puniu — ele fixou a mentira em forma de ruína, para que servisse de advertência. A primeira maldição nascida de sua mão foi escrita em silêncio absoluto. Nenhuma palavra, nenhum gesto. Apenas um nome, gravado com o próprio sangue em uma pedra que desde então ninguém ousou mover. A criatura cujo nome foi selado jamais morreu. Apenas desapareceu da história. Não há ossos, não há herdeiros, não há vestígios. Apenas o peso do vazio deixado por ela — e a certeza de que Vladimir escolheu não destruí-la, mas transformá-la em um símbolo perpétuo do que não deve ser repetido. As maldições que vieram depois carregam parte de sua essência. Algumas induzem delírios de memórias que nunca foram vividas, outras retiram da vítima a capacidade de ser lembrada para que consigam agir.
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limites da criação
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Vladimir é o Pai das Maldições porque ele não apenas as criou — ele as compreendeu como ninguém antes. Enquanto os magos do mundo viam a maldição como um instrumento de punição, uma ferramenta de vingança ou um erro arcano, Vladimir a viu como linguagem primordial, como um elo entre a dor e a permanência. Para ele, maldiçoar alguém era gravá-lo na eternidade, era garantir que aquilo que foi cometido jamais desaparecesse, mesmo que o corpo caísse, mesmo que os deuses se calassem, mesmo que o mundo virasse pedra. Ele foi o primeiro a transformar sofrimento em memória. Descobriu que o sangue, ao ser derramado por verdade, carrega mais força do que qualquer juramento, e que o nome, quando escrito em dor, se torna indestrutível. Ele não lançou maldições com fúria — ele as talhou, lentamente, como um escultor que molda um epitáfio do tempo.
Em Verminia, as maldições não são relíquias — são estruturas. Estão nas colunas da Cidadela, nas veias do povo, nas máscaras dos juízes e nos nomes que não podem mais ser ditos. E cada uma, sem exceção, remonta a ele. A sua mão. Ao seu veredito. Dizem que o próprio conceito de "maldição" só se consolidou após sua ascensão, e que antes de Vladimir, os encantamentos de ruína eram rasos, instáveis, imperfeitos — porque lhes faltava propósito. Ele foi o primeiro a entender que o verdadeiro poder não está em ferir, mas em fazer com que aquilo que foi feito jamais seja esquecido. Ele não amaldiçoa com palavras, mas com silêncio. E quando grava um nome com sua marca, o universo inteiro o reconhece. Vladimir é o início e o fim de toda sentença selada em dor. Ele é a raiz de cada nome riscado, o eco de cada lágrima que se recusa a secar. O mundo pode tentar negar isso. Pode esconder. Pode temer. Mas todos sabem: toda maldição verdadeira nasce dele, sendo ele o primeiro ser de sangue.
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Passos finais
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O Lar dos Mórbidos é uma região esquecida nas entranhas de Verminia, um lugar que não aparece nos mapas e não é mencionado nos registros da Auricórum — mas cujos ecos ainda choram por entre os veios do subsolo. Não se trata de um castelo, nem de um templo, mas de uma extensão viva, úmida e soturna do mundo, onde a própria terra parece respirar com um hálito estagnado. É lá que habitam os Mórbidos, aqueles que recusaram a morte, mas também não abraçaram a vida. Ninguém chega ao Lar dos Mórbidos por vontade. Ele se revela apenas àqueles que foram esquecidos, amaldiçoados ou banidos de toda história. É o destino final dos que carregam nomes apagados, dos que tiveram seus feitos removidos das placas vivas e dos que foram extirpados da realidade por decisão dos Generais da Memória Rubra ou pelo próprio Vladimir, de forma geral.
O ambiente é feito de pedra carcomida, coberta por uma umidade carmesim que pinga sem cessar, como se o teto estivesse eternamente chorando sangue coagulado. A vegetação é feita de musgos pulsantes, que reagem à presença emocional dos visitantes, e raízes translúcidas que se enroscam no tornozelo dos desavisados. Estalactites pendem do teto como lâminas prontas para cair — e muitas caem, quando o nome de alguém é sussurrado onde não deveria. Os Mórbidos são seres humanos em estado ritual de esquecimento. Alguns ainda mantêm fragmentos de rosto, mas a maioria se fundiu à pedra, à umidade ou às palavras malditas que carregam sobre os ombros. Eles se comunicam por gemidos, estalos nos ossos ou pela repetição contínua de uma única frase: a última coisa que disseram antes de serem esquecidos. São guardiões involuntários do que não deve voltar — portadores de segredos que, se revelados, trariam de volta nomes banidos por Vladimir e sua assembleia. No centro do Lar existe o Poço da Trinca-Voz, um abismo que sussurra fragmentos de memórias apagadas, fazendo ecoar cenas de momentos que jamais aconteceram — ou que foram removidos da realidade. Quem ousa olhar dentro dele vê o que deveria ser esquecido: batalhas que foram anuladas, pactos proibidos, maldições que Vladimir selou pessoalmente para que nunca mais fujam.